quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Martim Lutero: Estudo de "A liberdade de um cristão"

“Lutero fôra tão marcado expoente de seu tempo, e refletira tão fielmente as lutas do século dezesseis, da Igreja, do Estado, e entre ambos, há quem não perceba ter sido o reformador tremenda força individual nesses conflitos, um poderoso moldador da opinião pública, um defensor das liberdades humanas. Homem não só da sua época como de todos os fastos.”

Charles Francis Potter, teólogo e historiador das religiões norte-americano em sua obra “História das Religiões, tomo II”. 

Os séculos XV e XVI incluem grandiosas mudanças que se perpetuarão pelos séculos seguintes, fazendo esse período se lembrado como época de revoluções em tantos âmbitos, um marco de transição da dita idade media para a modernidade. Várias são as mutações, em áreas diversas do cotidiano das sociedades; a descoberta do Novo Mundo, as pestes, o fim da presença moura na Ibéria, o movimento Humanista, são fatores contribuintes para entendermos tal período como revolucionário. Porém me aterei nesse estudo em uma crucial série de acontecimentos que culminarão com o fim do monopólio da Santa Igreja Católica sobre a cristandade ocidental: a reforma e seu reformista por excelência, Martinho Lutero. Esse personagem é um imprescindível para a compreensão do que foi o medievo submisso ao grande poder da igreja, e o que é o homem que transita dos grilhões da vassalagem medieval para a libertação desses, tanto material quanto espiritualmente. É essa a grandeza de Lutero, o cônego, doutor, teólogo, pregador que busca um cristianismo mais pio e verdadeiro; propões não só uma reforma religiosa, seus postulados são tão obstinados que extrapolam os limites da religião, tão ligada à vida social cotidiana da época. Toda a lógica hierárquica, social, da Europa cristã quinhentista, é colocada em xeque.
Proponho-me a analisar a Reforma protestante pela ótica de Martinho Lutero em sua obra “A Liberdade de um Cristão”. Nortearei as análises em seu âmbito teológico e suas conseqüências práticas para as sociedades em que foram introduzidas; a ruptura com a tão tradicional Igreja Católica Romana e o aparecimento de diversas doutrinas, tudo promovido pela liberdade cristã, não a obra, mas seu significado.

O poder foi colocado em questão. Quem detém o poder de ordem no mundo? Para a cristandade ocidental européia a resposta é simples: Deus, representado na terra pela Santa Igreja Católica Romana. Assim, havia então um monopólio de poder, concentrado nas mãos de uma instituição forte e tradicional, a Igreja; com suas raízes já profundas e tendo como cabeça o Papa, então o representante do próprio Deus. Para contrapor a igreja, contrapor a Deus, só havia uma via, a própria Igreja, ou seja, um homem da própria Igreja; Martinho Lutero, então, como homem da Igreja, faz justamente isso. Crítico que era, propõe reformas que culminarão em uma total desavença com sua instituição mãe e o surgimento de um novo cristianismo, uma nova Igreja, a chamada protestante.

Martinho Lutero nasce em Eisleben a 10 de novembro de 1483, filho de Hans Luther, homem do campo e dono de minas de cobre, e Margarethe Lindemann. Desde crinaça seu pai, em busca de melhorar as condições da família, envia Lutero à escolas. Após alguns anos de estudos em escolas em Mansfeld e Madegburgo, onde precisa mendigar para conseguir as refeições, ja em Eisennach, onde a mendicancia era mais generosa, atrai a atenção de Frau Cotta, senhora maternal, que o tomou para morar em seu lar. Sua alma se espande, sente-se revigorado e seu labor escolar começa e revelar-lhe incomum habilidade mental.

Após uma melhora dos negócios do pai, em maio de 1501, já com dezessete anos, matricula-se na Universidade de Erfurt. Não se sabe muito de seu períuodo na Universidade, mas prodigiosa foi sua carreira, pois em 1502 cola grau de bacharel em artes. Na primavera de 1505 alcança o grau de mestre. Repentinamente, em julho de 1505, Lutero deixa a Universidade para se tornar monge. Acontecimento nunca explicado pelo mesmo.

Nos dias de morada com Frau Cotta teve contato com monges, a familia da mesma havia criado um mosteiro, os franciscanos eram companheiros de Lutero nesses dias. Mas a explicação para sua inclinação aos votos monásticos pode residir em sua personalidade, seus anseios, seus medos.  Quando crinaça, ou mesmo quando jovem, “o pequeno Martim, positivamente, se arreceava do Deus, que lhe era descrito como juiz crual e irado, , um super-lobishomem dos céus, mas, acima de tudo, se apavorava com o Diabo, as feiticeiras e os espíritos malígnos. Até na maturidade, quando não mais temia a Deus, reputando-o ‘poderosa fortaleza, baluarte irredutivel’, Lutero se atemorizava com o Diabo.”[1] Além de seu eterno temor, e interesse, pelas coisas espirituais, conta-se que certa vez, durante uma tempestade em 2 de julho de 1505, ao aproximar-se de Erfurt, Lutero, numa especie de crise emocional grita: “Acuda-me, cara Sant’Ana! Tornar-me-ei um monge!”. O fato é que se tornou monge Agosatiniano, em Erfurt, a 17 de julho de 1505.

Como clérigo logo se destaca, e já no outono de 1508 foi destacado para reger as cadeiras de ética e filosofia na Universidade de Wittenberg.  Nesses anos é imbuido de um frenesi ascetico e de devoção que logo lhe atribui a reputação de santidade, mas inda não encontrou sua procurada paz de espírito. Numa de suas leituras em sua cela na torre de Wittember, uma passagem o atormenta, o verso 16 do primeiro capítulo da Epístola aos Romanos de Paulo: “O justo, porém, vive da fé”. Ai reside o principio filosofico, teológico, e objetivo de seu pensamento. Abandona as penitências e mortificações da carne para refletir sobre a admoestação paulina. Para o historiador Chales F. Potter ali se inicia a Reforma. É pertinente notar que em 1509 recebe o grau de Baccalaureus ad Biblia[2], o que lhe permitia discursar sobre o livro sagrado.

            Sua peregrinação à Roma em 1511 não logra menos reflexos em sua alma abalada pelo ímpeto de verdade. Existe relatos, presentes em anotações de seu filho, que na cidade Sagrada, pelo sangue de mártires vertido, o monge Lutero, ao tratar de assuntos referentes a ordem dos Agostinianos, vai em visita até uma escada que se atribue ser proveniente da sala do tribunal de Pilatos. Essa, transportada até Roma para que todo peregrino tenha nove anos de indulgência por cada degrau galgado de joelhos rezando; Lutero inicia sua penitencia nos degrais, mas no meio lembrou-se dos versos paulinos na Carta aos Romanos e pondo-se de pé desceu os degrais. Na volta, não menos imporante de se destacar, em Milão, visitou o local onde Santo Ambrósio batizou Santo Agostinho; observou que ali haviam sacerdotes diferentes de todos que ja tinha encontrado. Estes recusavam a vassalagem ao papa, segundo Santo Ambrósio.

            Após sua volta, ainda em 1512 é sagrado doutor em Teologia. Após isso, os anos de 1512 à 1517 são cinco anos de arduo trabalho empregado em estudos, conferências, pregações, fazendo do jovem doutor um célebre cônego de grande reputação.

            No mesmo ano de 1517, angariando fundos para completar a obra da Igreja de S. Pedro, em Roma, um monge de nome Tetzel vende indulgências em nome do Papa nas redondezas de Wittenberg. Com incanssáveis sermões Lutero lança seu protesto contra essas prática, mas sem conseguir o êxito pensado. No dia 31 de outubro do mesmo ano, Lutero, lançando mão de uma prática corrente da época, pregar panfletos nas portas das igrejas, é revolucionário no tocante ao conteúdo do panfleto: são 95 teses, críticas à Igreja, sua hierarquia e ao próprio Papa. São crpiticas com conteúdoácido, atacando pessoalmente a fugura papal em alguns casos. Dentre as teses se destacam algumas, cito aqui as de número 36 e 82.

“36. Todo cristão verdadeiramente arrependido, tem plena remissão de culpa e penitência, mesmo sem as cartas de absolvição.
(...)
82. Por que o Papa não esvazia o purgatório pela caridade?”

            A partir das 95 teses são engendrados diversos acontecimentos que não cabe a este breve trabalho abranger , apenas cita-los a medide de sua importância para observação de seu foco; o intuito aqui é debrucar-se em entender as revoluções teológicas e as consequencias sociais oriundas de tais revoluções. Dentre as garndes obras de Lutero em sua luta e protesto contra a Igreja, seus dogmas e diretrizes, é pertinente a análise da “A Liberdade de um Cristão”, obra publicada em novembro de 1520; ao mesmo tempo Lutero redije uma carta ao Papa Leão X, carta essa que não chegou a ser enviada. Os dois documentos podem ser corroboradores da tese de que apesar de querer, a princípio, uma reforma interna na Igreja Católica, o agostiniano não reduz suas idéias frente ao grande poder da Igreja. Escreve textos que em alguns momentos soam gnósticos, em outros revolucionário; textos como “A Liberdade de um Cristão”, ou sua carta ao Papa, onde Lutero “(...)now wrote him as an equal, offered him advices as though he were the papal father confessor, and expressed his evangelical views without a sing of retraction.” [3] Lutero não só escreve sobre a liberdade do cristão, mas a aplica em sua própria experiência, tratando a alta hierarquia eclesiástica com igual, oferecendo seus conselhos, críticas, até mesmo admoestando como um confessor.

            Em  “A Liberdade de um Cristão” está presente um lutero cheio de vigor para enfrentar as ordas eclesiásticas com toda sua força, até mesmo com sua vida se necessário. Afirma sua vontade de recriar as estruturas de poder da Igreja e moldar nas mentes uma nova idéia de salvação, a salvação pela fé, a justificação sola fide, somente pela fé, assim como na revelação na Epístola aos Romanos de Paulo. A justificação como processo gradativo de erradicação dos pecados, tradicional idéia cristã Católica, é substituida em Lutero, já em seu sermão “Duas espécies de Justiça”, por uma justificação como consequência imediata da fé que se apreende. Diz Lutero que “a presença redentora de Cristo traga todos os pecados num só instante”. O que se segue gradualmente é o processo de santificação.

“(...) na ‘Liberdade de um Cristão’, de 1520 [a obra] assume a forma de uma forte antítese entre as mensagens do Velho e do Novo Testamento, de uma atítese entre mandamentos divinos de cumprimento impossível e suas promessas de redenção. O propósito do Velho Testamento, diz-nos agora Lutero, consiste em ‘ensinar o homem a conhecer-se’, de modo que ‘possa ele reconhecer sua incapacidade de praticar o bem e possa desesperar-se ante essa incapacidade’ – chegando a um desespero análogo ao que o próprio Lutero sentira, de forma tão aguda. Essa é ‘a estranha obra da Lei’. Já o Novo Testamento, em contraste, tem por propósito reconfortar-nos que, embora não tenhamos capacidade de atingir a salvação ‘tentando cumprir todas as obras da Lei’, podemos, porém, atingi-la ‘rápida e facilmente por meio da fé’”[4]

            Em Lutero e sua obra focalizada é presente um lampejo da bandeira de liberdade religiosa. Alguns trechos são uma ode ao fim da vassalagem a qual a sociedade era submetida pela outorga de uma legitimada soberania dos clérigos, supostamente legitimada pelo próprio Deus. Essa liberdade muitas vezes extravasa os limites da religião alcanlçando significado prático na vida social. Afirma ainda Lutero que todos são perfeitos senhores de si, uma afronta á logica de vassalagem socialmente instituida no período.

“A Christian is a perfectly free lord of all, subject to none.
A Christian is a perfectly dutiful servant of all, subject to all.”[5]

            Seus escritos são categóricos ao afirmar a filosofia paulina como o correto caminho para seguir a cristo, e a cristandade européia deve observá-lo. O poder para de recair sobre o fiel e passa a ser do próprio fiel. É ele, o fiel, e não mais uma instituição, ou um clérigo investido de um manto episcopal, quem tem o poder de se salvar, se perdoar; tudo isso, pela graça divina. Não há lei divina alguma instituindo um poder à Igreja Católica sobre a cristandade. A lei reside em amar uns aos outros. E Lutero se apropria de Paulo em sua Epistola aos Romanos: “A ninguém devais coisa alguma, a não ser o amor com que vos ameis uns aos outros, pois quem ama ao próximo cumpriu a lei.” [6]

            Lutero a priori é compromissado em repudiar a idéia segundo a qual a Igreja possui poderes de jurisdição, poderes para regular a vida dos cristãos. É contrário a idéia da Igreja fazer o papel que cabe ao Estado. Não chega ao ponto de laicizar o Estado, mas é categórico em defender sua autonomia, e seu papel enquanto assegurador da paz civil entre os pecadores.

            Suas idéias são fortes e perpetrarão durante muito tempo. As reformas se dão; enraizadas, com suas devidas singularidades de região para região, confluem sempre para o cerne revolucionário proposto por Martinho Lutero, essa mudança teológica e social no cotidiano da cristandade. Um novo tipo de prática cristã – até então desconhecida, ou em outras ocasiões atribuías à Igreja primitiva do tempo dos apóstolos – erige desse movimento.

Como humanista, aquele com uma “percepción directa de su próprio mundo”[7] , fica na história suas idéias de mudança na constituição medieval de sociedade. Essa subordinação cega aos dogmas eclesiásticos outorgados pela Igreja Católica Romana de sues fiéis, sejam indivíduos ou mesmo Reinos e Estados, tem seus dias contados a partir de então. Percebendo as incoerências entre O livro, a Bíblia, e as práticas, o monge Lutero propôs uma reforma que, como foi visto, logo se mostrou uma grandiosa revolução.


[1] POTTER, Charles Francis. Historia das Religiões, Ed. Universitária, 1944.  p. 374

[2] Do latim, Bacharel em Bíblia.

[3] LUTHER, Martin. Christian Liberty. Fortress Press, 1957.

[4] SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. Cia. Das Letras, 2006. p. 291.

[5] LUTHER, Martin. Christian Liberty. Fortress Press, 1957.

[6] Bíblia Sagrada, Epístola aos Romanos. Cap. 13 vers. 8.

[7] ROMANO, Ruggerio; TENENTI, Alberto. Los Fundamentos del Mundo Moderno. Madrid: Siglo XXI, 1972.

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